Fazendo coro à mais querida feminista gaúcha, Enid Backes e homenageando a sua sabedoria de 80 anos muito vivos, quero colaborar com a sua fixação no prefixo “in” como aquele caracteriza a postura de nós mulheres (e até alguns homens) que não aceitam os padrões de desigualdade da sociedade atual, sejam eles de classe, de gênero, de raça, de sexualidade ou de idade. Coloco-me como uma indignada, insatisfeita e indisposta a continuar parada no ar enquanto assisto às mortes, ao cárcere privado e vidas perdidas, à insegurança das mulheres e das meninas, e a quase impunidade que causa “in” negativo, a indiferença da sociedade.
Me escreve por email outra das mais queridas feministas, a baiana Lícia Peres, que se trai pelo título da mensagem: “barbaridade”. Quem vive no Rio Grande sabe o que significa quando se usa este termo por aqui, é o mesmo que “o fim da picada” em outros lugares ou no linguajar culto “inaceitável”, “desumano”. Me fala Lícia sobre o cárcere privado a que foi submetida uma mulher dos 8 aos 28 anos, por um homem de 75 aqui no estado. Menina que foi vendida ao senhor de 55 em troca de alguma coisa, que só não foi um celular e uma vaca, como ocorreu há cerca de seis anos, porque não havia celular na época. Mas foi por bem pouquinho. A família se livrou da menina de 8 e o homem pode usufruir da sua infância, adolescência, juventude, anos que só receberam este nome por uma formalidade, porque vida sem liberdade é o mesmo que morte. Morte de gente viva, morte na vida, vida na morte.
Diz a história contada pelos jornais que há algum tempo, ao saber de há muito que o pai a mantinha em cárcere, uma filha dele exigiu que ao menos se casasse, afinal que imoralidade é esta de viver com alguém com quem não se casou? Ou seja, “estupra, mas não mata” como diria o indecente Maluf há alguns anos atrás, uma vez mais o in em nossa vida, mas o in do mal. Não estrou preocupada aqui com o binarismo, com a discussão filosófica do bem e do mal, estou enxergando que vivemos numa sociedade que faz de conta que está tudo bem, porque, pergunto, haverá modo de devolver vinte anos de vida à jovem que viveu trancada numa casa, sob muros altos e da qual só saiu para assinar papel no cartório que em definitivo passou sua posse ao homem que a violou desde os 8 anos de idade?
A entrada deste cartório na história me faz dialogar com outra cientista política e sábia, a terceira da minha lista, Carole Pateman, que ao escrever “O Contrato Sexual” identifica a maneira de tornar propriedade aquilo que é posse, e colocar no contrato social que funda a sociedade moderna um anexo (oculto), aquele que vem com os vírus da internet. Você clica nele achando que é do bem e manda de volta a chave para entrar nos seus dados bancários, na sua vida privada. Aliás, isto está na moda, News of the World (sempre acho que é word) que o diga com suas palavrinhas em inglês. Isso dá certo, dá dinheiro, dá fama, e colabora na missão de mostrar ao mundo (agora entendi o trocadilho) que ninguém está a salvo.
No Brasil sabemos disto já faz tempo, viver e ter saúde física, psíquica, sexual, se você for mulher e pobre ou uma menina, é missão quase impossível. Para lembrar, relaciono a Elisa Samudio, que passou a se relacionar com o jogador famoso e... a cabeleireira que avisou que ia morrer e morreu por omissão do estado no Rio de Janeiro e... a jovem encontrada atirada há um mês numa valeta em São Paulo, pelos que lhe haviam feito um aborto medieval num país de leis medievais quando se trata do corpo e da sexualidade das mulheres e... a jovem que é libertada 20 anos depois...enfim, lembro que de 1998 e 2008, 41.968 mil mulheres foram assassinadas no país, o equivalente a 4,2 vítimas para cada 100 mil habitantes.
Enid querida, teríamos que usar todos os ins para responder a isto, agregar os “ir”, de irracionalidade, os “im”, de impossibilidade de continuarmos lendo todos os dias as notícias que nos indignam mas que não comovem mais. É como morte materna, que antes ainda comovia mas não movia pedra, hoje, sequer comove, pois morrem “apenas 2 mil por ano”.
Você diz também, Enid, que assim como os dinossauros, que tinham três dedos (nunca chequei isto, mas você é uma sábia) sempre há três saídas para as coisas e que a terceira você já esquece, e com todo o direito. Proponho então que nós, que ainda conseguimos citar três ou mais, façamos um exercício com base nos “in”, convertendo-os em desafios à sociedade e aos governantes. O primeiro deles, é que todos nos indignemos com a violação de direitos humanos das mulheres de todas as idades, sociedade, estado, tudo junto incluído. Não é possível que se considerem humanos os direitos com as mulheres excluídas deles. O segundo, é que nos indiquemos para fazer alguma coisa. Sair do lugar, pegar um telefone, ir às ruas, protestar, denunciar, xingar, mandar um artigo para um jornal, sair da indiferença que mata e da omissão que viola. O terceiro, não esquecerei, é de lembrar aos governantes de todos os calibres que são eleitos e pagos para que cumpram seus compromissos assumidos em campanhas e em juramentos quando assumem cargos, funções e mandatos, sob o risco de se tornarem incompatíveis com a ética proposta pelos direitos humanos.